Se chorar resolvesse, confesso, teria chorado.
Não sei como consegui colocar no rosto
uma máscara de sorriso e continuar como
se nada tivesse acontecido. Por dentro estava
queimando, chorando... Por fora, era todo sorriso.
E as mãos? Onde coloca-las? Lá estavam
as duas gesticulando aos céus. Parecia
querer, com aqueles gestos mudos, desmentir o
que os lábios e os sorrisos diziam. Antes
tivessem conseguido.
--- Corra! – gritou-me, de dentro do carro.
Como eu corri! Enfrentei toda aquela chuva e encarei
o arrepio das gotas torrenciais que caiam no corpo
quente, sem reclamar. Consegui uma carona!
--- Desculpe a molhança! – disse rindo
e agradecido, enquanto me acomodava do banco da
frente do carro. –-- Tempo doido, não é
mesmo?
--- É, parece que abriram todas as torneiras
lá de cima! – disse a loura de cabelos
longos.
--- Puxa! Estava um céu tão lindo,
cheio de estrelas e, de repente...
--- É o tempo de chuvas! Sem elas, nada
acontece. Pode usar a toalha que está entre
os bancos! Se enxugue, senão vai acabar
pegando uma pneumonia! – riu, enquanto sacudia
a cabeça e jogava os cabelos para trás.
--- Você está todo molhado!
--- Vou acabar ensopando o seu carro! Desculpe!
--- Nem se fala nisso! É numa hora destas
que gosto de ajudar aos outros! Já penei
assim.
--- Desculpe, nesta correria toda nem perguntei
para onde você vai, e não quero atrapalhar!
Vai para Taguatinga? – perguntei com medo de que
aquele sonho acabasse de repente.
--- Claro, que vou! – respondeu, com uma piscadela.
--- Vou lhe confessar uma coisa. Ainda bem que
te encontrei! Já estava com medo de dirigir
nesta chuva toda! Existem tantas histórias
estranhas de batidas, assaltos que nestas horas
a cabeça da gente vai a mil! E eu aqui
sozinha! Ufa! Tava morrendo de medo e enfrentar
São Pedro! – riu, de novo. --- Para falar
a verdade, não gosto de dirigir sem companhia,
ainda mais, debaixo de um toró deste!
--- Você caiu do céu! – disse ele,
olhando para o belo par de pernas sob a saia curta,
enquanto se enxugava. Eram pernas de uma deusa.
Bem torneadas e queimadas do sol. Na semi-escuridão
do carro, iluminadas pelas luzes do painel eletrônico,
parecia existir uma espécie de veludo cobrindo-as.
--- Sabe, olhando bem, fui premiada. Além
da companhia, você é um gato!- falou
me oferecendo um sorriso gostoso.
--- Obrigado! Você tirou as palavras da
minha boca! Ia, nesse instante, sem querer me
mostrar abusado, falar que você é...
puxa! Fenomenal, muito bonita! – disse à
queima roupa, afinal, a arte de chegar primeiro,
sempre foi dos homens. Mas, neste primeiro round,
ela foi mais rápida. A noite prometia...
--- Copiar, não vale! – riu, e deu uma
tapinha na minha perna. --- O que você faz?
--- Quem, eu? Desculpe, estava distraído!
Não ouvi direito. O que eu faço?
Estudo e trabalho. Estou saindo da faculdade.
--- Olha aí, temos um doutor aqui! – falou
enquanto pousava a mão, outra vez em minha
coxa. Agora ela fez uma leve pressão, firmando
a perna entre os dedos da mão. Quase tudo
explodiu debaixo do pano da calça. Ela
manteve a mão, enquanto fazia um leve carinho
ao longo da perna. --- É isso aí!
O país precisa de muitos “doutores”- completa
com um sorriso.
--- Tá difícil, ser “doutor”, gata!
Os preços da faculdade estão pela
hora da morte! – responde, querendo se mostrar
importante.
Baixei a minha mão e segurei a dela, que
estava pousada, atrevidamente, em minha coxa.
Estava quente. O olhar que ela me dedicou, não
precisava de tradutor. Era a química dos
corpos. Ela queria e eu queria, e tudo iria ficar
melhor daí para frente.
A minha mão, agora, com toda a liberdade
oferecida pela loura, criou asas e voou para aquele
belo par de coxas ao meu lado. Inclinei meu corpo
mais um pouco e dei um leve beijo em seu pescoço.
Ela gemeu bem gostosa. Continuei deslizando a
mão por toda a extensão acima dos
joelhos da moça, sentindo leves tremores
abaixo dela. Mais acima, sob a saia, a grande
surpresa! Uma moita de cabelos encrespados recebeu
meus dedos com avidez. “Peladinha” por baixo da
saia! Que delícia!
O carro, a esta altura, a toda velocidade, passava
por fora de Taguatinga e tomava rumo a Brazlândia.
Um som suave do toca CD nos envolvia. Ela, vez
por outra, com um olho na estrada e outro em mim,
desviava a cabeça e me oferecia um beijo
rápido. A minha adrenalina subiu a mil.
A mão da moça havia criado vida
e amassava tudo que encontrava. Espremia, enquanto
soltava gemidos provocativos. Eu, perdido de mim,
me aconchegava aquele cangote cheiroso, com vontade
de virar conde Drácula.
A uns sete quilômetros da cidade, ela encostou
o carro e desligou o possante. Mal havia estacionado,
voou para cima de mim. Não sei como, num
passe de mágica, aquilo tudo estava em
meu colo, gemendo e arranhando minha pele. Gemia
e arfava o peito. Num raro instante de sanidade,
olhei para fora e vi o tempo limpo e seco. A chuva
havia desaparecido e nem havíamos percebido.
--- Vamos sair do carro! – falei, entre uma mordiscada
e outra.
--- É melhor, quero você inteirinho!
Quero o calor do capô do carro sob o meu
traseiro! Vou pegar fogo! – disse, arranhando
minha orelha com os lábios carnudos.
Ela, que nesta altura dos acontecimentos era um
vulcão em erupção em meu
colo, saiu do carro e me puxou pelas mãos
para fora. Sai do carro e fui imediatamente sufocado
por uma boca faminta. Segurei aquele corpo quente
entre os meus braços, e num passe de mágica,
consegui fechar a porta. Prensei a loura contra
a lataria sentindo todo aquele Vesúvio
em minhas mãos. Ela, fazendo um tipo de
gata manhosa, diz num fio de voz.
--- Calma “tigrão”, deste jeito você
me explode! Dá um tempo! – diz, enquanto
me afasta levemente, e se vira para dentro do
carro.
Olho aquele tremendo traseiro empinado para mim,
já que ela havia mergulhado a metade do
corpo para dentro do carro e estava abrindo o
porta-luva. Juntei as duas mãos naquelas
ancas e senti a firmeza dos músculos sob
a saia. Fui levantando lentamente aquele fiapo
de saia, enquanto ela vai saindo de dentro do
carro e se vira para mim com um sorriso. Vi, sob
a luz da lua, enlaçado pelos dedos sensíveis
da loura e, apontado para mim...um revolver!
--- É um assalto! – disse, com um sorriso
todo especial. --- Chegue para trás! –
completa, cutucando o cano do revolver em minhas
costelas.
--- Como? – perguntei embasbacado.
--- Será que não entendeu, gatinho!
– falou com a voz macia. --- Um assalto! É
isto que estou fazendo! Estou te assaltando! –
riu deliciosamente..
--- Deixa de brinc...
--- “Click” - Ouvi o som do revolver sendo engatilhado.
--- Olha, não me leve a mal, mas,... sabe
como é! Preciso sobreviver! – fala, com
um sorriso. --- Bem que estou toda molhadinha!
Hum... ia ser gostoso, gato!
--- Pára com isto! Não acredito
que você...
Bang! Bang! – dois disparos, bem perto do meu
ouvido.
--- Não brinco serviço, gatinho!
O dinheiro, o relógio e a aliança!
– tornou a falar. --- Olha, isto não é
brincadeira!
--- Mas...
--- Não tem nem mais nem menos! É
sério! Senão o próximo tiro
será bem no meio desta cabecinha saliente
de baixo... – riu, com crueldade.
Que fazer? Entregar tudo era a melhor solução.
Tirei a carteira, o relógio a aliança
e coloquei em cima do carro.
--- As roupas!
--- Não! Você não vai...
--- As roupas! – repetiu.
Vai sim – pensei. Tirei as roupas e os sapatos
e amontoei tudo aos meus pés.
--- E, esta também? – perguntei apontando
para a cueca.
--- Não! Pode ficar com ela. Posso me decepcionar
com o que vou ver, e você não gostaria
de me ver decepcionada, não é mesmo?
– pergunta, com ironia. --- Prefiro acreditar
no que imaginei ser, entendeu? Vai! Anda para
frente e não olhe para trás!
Com as pernas bambas e tremendo de medo de levar
um tiro pelas costas, caminhei rumo à escuridão
da estrada.
Ouvi o barulho da porta bater, o carro ser acionado,
e senti a luz dos faróis em cima de mim.
Os pneus cantarem, enquanto ouvia a última
frase da loura safada.
--- Você tem uma bundinha linda, gato!
Ela se foi e eu fiquei perdido na noite, sem saber
se ria ou se chorava. Eu, Don Juan de cuecas!